Noite...
É à noite, quando me deito, que mais só me sinto...
É no silêncio da noite que todos os pensamentos afluem em mim e todas as memórias teimam em magoar.
É numa cama fria e vazia em que me deito e peço ao sono que venha a correr, sem trazer qualquer sonho consigo, nem tão pouco imagens nem ninguém do passado.
É à noite que me deito completamente esgotada pelo trabalho e o meu corpo grita pelo descanso, mas também é só à noite que tenho vida própria. Sozinha.
É à noite, nestes últimos minutos-séculos antes de apagar a luz, que tenho tempo para mim. Que risco da minha lista as coisas que andam por fazer. Que faço outras listas. Como se fosse uma pessoa extremamente metódica e calculista. Que não sou. Adoro fazer listas. Dá-me uma sensação de organização, de esquematização e dissecação da minha vida como se fosse possível controlá-la. Controlar-me. Controlar os meus instintos, a minha impulsividade, os meus sentimentos. Como se fosse um programa de uma máquina. Que não sou.
É à noite que páro e penso. Qualifico. Quantifico. Escrevo. Fluo. Existo enquanto ser individual.
É nestes minutos em que me dispo de roupa e papéis que desempenho.
Filha. Irmã. Amiga. Profissional. Amante.
E fluo somente na minha existência como Mulher.
Mulher só.
Mulher magoada.
Mulher triste.
Mulher melancólica.
Mulher saudosista.
E TAMBÉM
Mulher alegre.
Mulher viva.
Mulher esperançosa.
Mulher feliz.
Mulher não-só.
A luz artificialmente forte deste candeeiro fere-me a vista. A caneta dói-me nos dedos. O papel amachuca-se com a almofada.
E eis que chega o tal momento pelo qual anseio.
Que é quando estas Mulheres todas se juntam, formando uma só, que começam as interrogações.
Estou só mas feliz?
Ou estou esperançosa e saudosista?
Magoada, só , não-só e viva?
As interrogações começam a aparecer e as pálpebras se encerram.
Não gosto de confusões.
Se eu sou assim, mescla, então dormirei mesclada entre mim e mim mesma.
Ao menos tenho a certeza de que nunca dormirei sozinha.