Patita Feia

"Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento, assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade." - F.P.

quarta-feira, julho 28, 2004

Inevitavelmente...

Cântico Negro - José Régio

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


(Mãe...o som da chuva a caír...o cheiro a terra molhada...um grito d'Alma partilhado...simples e deliciosamente irrepetível!!!)

21.07.2004

21.07.2004:

Pairo na minha Existência...
Sinto-me como um floco de algodão ao sabor da brisa quente e adocicada de Verão...
Tudo é estranhamente ameno, tão diferente de toda a minha vida até hoje...!

Ser ambíguo e muitas vezes antitético, sempre lutei contra tudo e contra todos... Contra mim própria... Contra muitos moinhos de vento e sozinha com a minha “Pança” (analogia tão pobre...)
Armada e sempre em alerta máximo, tudo o que me era desconhecido, querido, diferente, apetitoso e apelativo era um alvo a abater.
Friamente calculista, de um só e único tiro. Preciso e indolor. Certeiro. Assim julgava eu...

Afinal, tudo eram armas enferrujadas pelas minhas lágrimas, encravadas pela minha hesitação em arriscar, barulhentas como latas velhas pontapeadas ao acaso...

Sempre fui de mandar tiros para o ar...afugentando todo e qualquer ser mais destemido que ousasse entrar no meu território: o meu coração, o meu Mundo, o meu subterfúgio...
Tiros para o ar...Nada tem de atirador furtivo!!!
Muito barulho por nada!
Por incontáveis vezes, o “inimigo”, o desconhecido, o diferente, o ameaçadoramente apelativo trespassou os limites do meu terreno, provocando danos irreparáveis...

Agora estou em tréguas comigo própria. Finalmente. A Paz sobrevoa a minha vida.

Doce amargo de boca. Como canela...
Muita calma...

Pouco movimento, pouca acção sentimental... Coração aberto de cadeado pendurado como segurança efémera e nada eficaz...

Coração aberto mas com porta de musselina...Transparente, mas no entanto, intransponível sem causar estragos...
Tento colocar o coração em tudo o que faço. Pôr um “filtro de Amor” em tudo o que me rodeia.
Estou a ficar mole de coração meio empedrenido... (como uma velha Só e só com gatos...!)

A minha Armadura nem é arma nem é dura... É como um véu de seda, suave mas resistente. Atraente pela sua vulnerabilidade e doçura, no entanto cruel como a morte das suas borboletas.
Sinto-me fluída, prestes a ficar inerte. Deve ser do calor abafado de Julho...

Por um lado, faltam-me as flores e as borboletas e a brisa da Primavera; por outro lado, o assobio negro anunciando o choro Celeste...
Nunca fui de meia-estação, de intermédios, de amenos e tépidos (“chalados” como a minha VóLinda diz...), nem daquele número – que sempre tive preguiça de descobrir qual é – que fica entre o 8 e o 80...

E eis que vislumbro a hipótese de ter descoberto o que seja:
* O EQUILÍBRIO *

Sim! Tem lógica!
Bate certo! Perfect match!

Então porque é que não estou feliz?!

Inodoro.
Incolor.
Insípido.

Não é mel de flores nem o sabor férreo do sangue.
É...cinzento. Não é branco nem negro.

Não cheira nem a bucólico nem a putrefacto.
Não é Amor nem Ódio.

Então não percebo porque é que alguém há-de almejar o dito Equilíbrio (seja lá o que isso fôr...)

Fica a questão em aberto e aguardo serenamente... como um dente-de-leão soprado por uma criança...
(Agora era a parte em que me questionava enraivecida...ou sorria esclarecida....mas não...?!!?!)

sexta-feira, julho 23, 2004

Introdução

O amor é uma companhia

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro