Amor, Voluntariado, Fé e muita Morfina...
Querida Amanda,
Acredita que o papel dos voluntários no IPO é extremamente fundamental, senão na recuperação, pelo menos na apaziguação de certas dores, concretamente nas da Alma - as piores de todas.
Aquando o internamento da minha Mãe, entre dezenas de voluntárias que fomos conhecendo à medida que o tempo foi passando, houve uma que destacou pela sua Luz.
Isabel de seu nome, esta senhora emanava energia de uma maneira indescritível.
É preciso ser forte para ser voluntária. E é preciso acreditar na força que temos dentro de nós.
Eu chamo-lhe Amor.
A Isabel chama-lhe Luz.
As outras voluntárias todas chamavam-lhe Deus. Whatever.
(Sei que após a morte da minha Mãe, Deus não anda onde devia andar, a luz é cara mas o gás ainda mais, mas o Amor continua. Imbatível e eterno.)
A Isabel só ia ao IPO uma vez por semana, quase o suficiente para iluminar aqueles quartos, aquelas dores, aqueles semblantes sofredores. Mas vinha. E cantava. E embalava. E ria. Ria como se tudo fosse cor-de-rosa.
Tratava os pacientes como se sua família fossem.
A minha Mãe adorava-a. Com ou sem morfina. Ao chegar ao fim, já mal a reconhecia. Tratava-a por qualquer outro nome. E a Isabel não se importava. Combinaram ir a Fátima se a minha mãe recuperasse, se bem que nas palavras dela, a pé nem pensar, já experimentei, está experimentado! E a Isabel disse que iria da maneira que a minha Mãe quisesse.
Eram extremamente parecidas.
O trajecto de vida, os sofrimentos, os divórcios, os filhos criados sem ajuda de ninguém.
A Força.
Era a Força que tinham que emanava e contagiava. Que brilhava!
Na boca do staff hospitalar, a minha Mãe foi considerada das melhores pacientes. A mais paciente...
Porque aceitou o cancro. O destino.
E passava os minutos todos da visita da Isabel a falarem de tudo... menos do cancro. Porque essa palavra é proibida no sítio onde mora. Os pacientes do IPO não têm cancro. Têm melanomas, carcinomas, linfomas, e outros omas assim... E assim como não têm cancro, muitos também nem Esperança têm.
Daí o papel fundamental do voluntariado de mãos dadas com a família/amigos.
Mas nada se faz se o paciente não aceitar e não acreditar.
Amanda, sugiro que faça uma formação de voluntariado e vá. Mas vá de coração aberto.
Porque definitivamente aquilo não é nada fácil.
Eu que o diga, que embora não sendo voluntária nem tampouco formada em qualquer arte, lá passei tempo "demais", pouco muito pouco para ajudar aquilo que queria ajudar.
Não só com a minha Mãe, porque pode-se ser egoísta na Dor, mas não se é com o sofrimento alheio.
Pacientes sozinhos - demais. Sem carinho - demais. Sem companhia - demais. Daí o papel fulcral dos voluntários, mais que atenuar dores d'Alma, atenuar a solidão, que é chaga aberta em muitos corações. No IPO e por este mundo fora...
Um beijinho desconhecida Amanda. E força!