Vô Marcelino
"Mais vale um ano de tarimba que sete em Coimbra".
Com 6 filhos, a minha Bisavó Mercês enviuvou.
Voltou a casar, com um homem gentil de quem sempre ouvi bem falar, o Avôzinho.
Teve uma filha, a Tiazinha.
O meu Avô, que entrou na escola com oito anos, cedo teve de se fazer à vida.
A meio da terceira classe, saiu da escola para a arte do pastoreio. Para ganhar para comer.
Nem o exame da terceira classe fez.
Analfabeto, juntava as letras do seu nome.
Contava pelos dedos.
Muitos anos passaram, após ter casado com a minha VóLinda e ter tido três filhos, dá-se o 25 do Quatro e há que fazer pela vida.
Andava ele a aprender a Arte de Marcenaria, quando conseguiu um contacto e lá foi ele para Luanda.
Teve lá cerca de 20 meses a construír caixas de madeira para embarque dos bens pessoais dos retornados (palavra feia...!) e móveis para os locais.
Pouco tempo depois, o chefe do meu Avô voltou à Metrópole e foi o meu Avô, Tóino Marcelino, analfabeto, que ficou encarregue da oficina (longe do escritório, em Luanda).
Em conversa, confidenciou-me que ficou bastante surpreendido por ter sido encarregue de tar responsabilidade, receando não corresponder às expectativas e não realizar o trabalho da melhor maneira possível.
Contou-me ele, que recebendo as encomendas do escritório, em que o encarregado lhe dava uma lista do que teria de fazer, ao explicar ao meu Avô, item por item, ele ia tirando umas pelas outras e assim, devagarinho, começou a perceber aquelas palavras.
Daí a as escrever, foi um salto.
Autodidacta, marceneiro, pai de família, avô de 6.
Mãos com cola de madeira, uma ou outra unha "comida" do formão, cabelinho puxadinho à Clark Gable, bigodinho à Errol Flynn, alguns dentes desertores, tem cada vez mais um brilho triste nos olhos.
Olhos melancólicos de ter perdido o Pai muito cedo, olhos tristes de uma vida de árduo trabalho,
olhos tristes de ter perdido a sua filha, a sua única menina, estupidamente cedo demais...
Olhos que brilham quando me vêem, cujo corpo e cara são iguais à sua filha.
Eu, sua neta, que o recriminei durante anos por ser bruto, ausente, por ter errado como exemplo, herdei dele o ser dadora de sangue, o gosto pelo vinho tinto, pelo cheiro da cera e da cola de madeira. Da serradura fresca.
Gosto de pensar que um dia conseguirei saír de mim própria e deixar-me fluír na minha herança genética. Sem complexos. Sem auto-recriminação.
Tarimba: é um estrado de madeira plano e duro onde dormem os soldados, nos quartéis e postos de guarda, considerada cama rude, dura, desconfortável, também é chamada a vida de caserna; vida de soldado. (ou no caso do meu Avô, como pastor, no meio dos campos).
No sentido honroso da palavra, significa profissional das armas com larga experiência; grande prática. - in Wikipedia.
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